Primeiramente, tenho um anúncio a fazer. Temos um plano de postar contos aqui, e fazer isto com certa frequencia de tempo. Contos originais de várias temáticas e tipos, além de que, serão feitos por mais de uma cabeça, cada qual com sua particularidade. Eu estou abrindo alas para o que virá, quando o próximo virá, eu não sei, mas eis um conto que fiz há um tempo. Farei uma pequena apresentação sobre este.
Eu o escrevi após descobrir um pouco mais um método de tortura, que denota certo nível de crueldade. Não uma crueldade que corta a sua pele, mas uma que parte a sua sanidade ao meio. A narrativa que você verá abaixo é fictícia, mas me baseei em descrições reais que encontrei pela internet, as poucas que encontrei, sobre a famosa "Tortura da gota" - talvez você já tenha ouvido falar.
Enfim, desejo uma boa leitura a você, e sinta a gota cair.
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A Goteira
Não sei onde estou.
Só sei que sinto muita dor.
E que não movo nenhum músculo há tempos.
E ainda tem essa maldita goteira na minha
testa...
Estou perdendo minha mente, vou enlouquecer.
Por que não me matam de uma vez?
A última lembrança que tenho de antes me
levarem para essa sala é de um bar. Eu estava sentado tomando um saque quando
me chamaram para ir para fora, lembro-me de ter sentido medo, afinal, quando vi
a tatuagem que aqueles homens de terno tinham, já sabia sobre o que se tratava.
Faltavam duas semanas para eu receber e poder pagá-los, mas a máfia não espera,
a máfia não perdoa. Depois me lembro de ter levado uma pancada na cabeça, após
isso tudo ficou muito ofuscado. Apenas flashes tão rápidos que seria inútil
mencioná-los, pois são muito óbvios.
Quando abri os olhos me vi atado nessa
cadeira reclinada, um cinto em volta da minha testa não me deixava fazer
qualquer movimento com a cabeça, assim como os que seguravam meu peitoral, pés,
pernas, brações e mãos. Eu não podia mover um músculo sequer. Eu gritei pedindo
socorro, mesmo sabendo que seria em vão. Tentei me mover, de alguma forma me
soltar daquela cadeira, foi quando notei que meu corpo todo estava atado. Em
certo momento senti que minha testa estava molhada, movi minha pupila para cima
e notei um balde grande e furado, um furo tão pequeno que fazia cair apenas uma
gota de água a cada 5 segundos. Sim, eu contei o tempo de intervalo,
incontáveis vezes contei aqueles segundos de uma gota para outra. Afinal, ela
estava bem acima da minha cabeça, e sentia cada gota que caia.
Naquele momento me perguntei o porquê
daquela gota, mas decidi ignorá-la e pensar num modo de sair dali. Foquei no
que assolava a minha mente, o motivo de eu estar ali: a dívida. Eu estava
devendo dinheiro para homens perigosos, como sou estúpido. Nunca deveria ter
entrado nisso. Eu sabia que era um jogo perigoso, mas naquele momento não
pensei nisso, só havia visto as vantagens. Se você soubesse como me
arrependo... Mas na verdade isso não era realmente importante naquele momento,
eu tinha era que pensar em um meio de sair dali.
Minutos haviam se passado e enxerguei o
óbvio, não havia como sair daquela cadeira sozinho. Então gritei novamente,
nenhuma resposta. Aceitei os fatos: Só havia como sair dali negociando com
alguém, eu poderia emprestar dinheiro do banco, teria que pagar juros, mas o
gerente não iria me agredir se eu não o pagasse. E caramba, essa gota estava
começando a incomodar, se pudesse fazer isso parar seria muito bom. Esse som da
água batendo, batendo e batendo...
Depois de demoradas horas com aquele som
irritante vindo repetidamente, e eu tentando ignorá-lo, minha barriga roncou.
Julgando pela última vez que havia comido, calculei que havia se passado quase
um dia inteiro desde que comera uma suculenta porção de sushi naquele bar.
Lembrar-se dessa porção só fazia minha fome aumentar, me perguntei quando
alguém iria aparecer. Se me prenderam aqui ao invés de me matar, devem precisar
de mim vivo, então eles não podiam me privar de comida e água para sempre. Ah,
água, essa palavra me soa nem um pouco agradável no estado em que estou.
Fechei os olhos e contemplei a escuridão.
Muito bom, durante poucos segundos me prendi em memórias passadas. Durante
poucos segundos eu estava segurando minha filha recém-nascida, filha que amava
tanto. Ela era a maior benção que já tive a chance de presenciar em minha vida.
Tão linda, tão inocente, lembrar-se de seu sorriso era reconfortante. Mas basta
uma gota de água na minha testa para essa lembrança se quebrar em pequenos pedaços
e eu ser jogado novamente para a realidade. Vi-me novamente naquela sala sem
janelas. Então olhei para o balde e por ora, desisti de tentar me refugiar em
meu consciente.
Não sei quanto tempo se passou desde então,
só me lembro de que fiquei olhando para o balde e para a gota que caia pelo
pequeno furo, enquanto cantava canções populares. O som ainda me incomodava
bastante, mas agora estava focado em outra coisa. Não sei dizer com certeza,
mas tive a impressão de que fiquei mais de uma hora com os olhos fixados
naquela base furada. Observando cada pingo d’água que caia e caia e caia.
Estava começando a entender o motivo de terem colocado aquilo ali, pois já
estava começando a odiar aquela peça metálica presa por um cabo vindo do teto.
Naqueles dias nem sabia que esse ódio cresceria ainda mais, nem imaginava que
aquela sala seria meu lar por quase dois meses, até então.
Inesperadamente escutei o som de passos se
aproximando. Imediatamente minhas pupilas tentaram achar a fonte do som,
rondaram toda a córnea de meus olhos até descobrir que ele vinha atrás, de onde
ouvi o ranger de uma porta metálica. Som que ressoou tão forte que ofuscou por
completo o som da gota naquele momento. Não vi quem havia entrado, só sei que
ele era quieto, mas de qualquer forma tentei falar com ele. Disse que se ele me
soltasse eu o pagaria em dinheiro, disse que eles não confiavam nele, que o
trairiam quando ele menos esperasse, apelei até pro lado emocional, quando num
tom de choro eu falei que sentia falta da minha família, é claro, deixando a
situação mais dramática. Mas ele não falou nada, apenas me deu comida e água na
boca, como se eu fosse uma criança que ainda não sabe segurar uma colher. Ele
havia me dado uma sopa que tinha um gosto forte e amargo, se a cadeira não estivesse
reclinada para trás eu poderia facilmente vomitar aquilo. E claro, ele também
me deu água. Nem me lembrava de que estava com a garganta seca, só ao tomar
aqueles goles que notei isso, e como foi bom tomar aquilo. Se não fosse por
minha vontade imensa de mover os músculos e pela gota que me incomodava, eu
poderia dizer que estava satisfeito. Mas não, não estava.
Quando ele foi embora, sem antes ouvir mais
súplicas para ele me soltar, voltei ao meu templo da solidão. Apenas quando a
porta metálica bateu com tudo que eu parei para pensar. Aquele homem era um
mero serviçal dos poderosos, ele nunca iria me ajudar em troca de dinheiro,
afinal, sua cabeça iria à premio se o fizesse. Não só a dele, mas a de todos
próximos a ele, incluindo sua família. Então um pensamento me acertou em cheio,
e bem onde me dói mais. E se eles além de terem ido atrás de mim, também foram
atrás da minha família?
Meu coração começou a bater mais rápido
naquele momento. Meu maior medo perturbava minha mente, o medo de não conseguir
proteger aqueles que amo. Fechei os olhos e tentei afastar esse pensamento,
lembrei-me de uma filosofia budista que havia visto uma vez em uma viagem. Ela dizia algo sobre a força de um pensamento
positivo, na hora achei aquilo uma grande baboseira, mas agora não tinha outra
opção. Quando a gota caiu novamente, a imagem dos budistas havia se
desmanchado, assim como o horrível pensamento da minha família morrendo.
Tentei focar no pensamento de que elas
estariam bem. Eu estava preso nessa cadeira há um pouco mais de um dia, e minha
esposa estava fazendo o jantar. Gotas d’água caiam sem parar na minha testa, e
minha filha estava rindo e brincando. Eu estava sem mover meus músculos por
horas, e minha esposa estava preocupada comigo, será que já chamou a polícia? É
tão difícil parecer otimista onde estou. A única coisa que me restava era orar.
Os dias se passaram. E foram muito
difíceis. Vinham me trazer aquela sopa e um copo d’água uma vez ao dia. Quando
tinha que urinar fazia nas calças, eles nunca me ajudariam com isso. A goteira
só ficava pior a cada dia. Incrivelmente meu pensamento budista ainda estava
firme, ele que mantinha meu pensamento vivo. Já sentia meus músculos se
enrijecendo pela falta de movimentação. Sempre pensava na minha família nesses
dias. E como eu estava cansado...
Após muito tempo de confinamento, o que
calculei com insegurança que fosse quase duas semanas, eu já não tentava mais
convencer aquele que me trazia alimento, já havia perdido a ilusão de sua
ajuda. Havia até me acostumado com o gosto da sopa que me traziam, já não
sentia mais ânsia ao tomá-la. Mas o pior sempre foi o balde. Quem me dera se as
gotas continuassem apenas me incomodando, se elas continuassem sendo irritantes
eu não conheceria o inferno. Pois após quase duas semanas elas se tornaram algo
além de um mero incômodo, elas ficaram torturantes.
A cada 5 segundos uma gota caia do balde. A
cada 5 segundos eu sentia algo pesado batendo na minha testa. A cada 5 segundos
eu escutava algo semelhante ao som de um tambor, tanto no som quanto na
vibração que ele fazia. Comecei a ter dores de cabeça, meus ouvidos ficaram
mais sensíveis ao tambor que batia sempre, sempre, e sempre. Devo ter esquecido
de mencionar, mas antes eu conseguia dormir poucas horas por dia, agora não
conseguia descansar nem por um minuto. Sempre que fechava o olho, fosse para
dormir ou para reforçar algum pensamento, o estrondo daquela gota abalava todas
as estruturas e me jogava com força para a realidade. Sabe quando você pensa na
morte como um alívio? Então, nessa época eu estava quase tendo esse pensamento.
Mas eu mal sabia que aquilo ainda iria piorar.
Os dias pareciam intermináveis. Já havia
perdido a conta dos dias que passara ali, a goteira não deixava eu me
concentrar. O tempo em si havia se transformado numa aliada da loucura. Não
havia salvação onde eu estava, apenas uma simples gota d’água. A cada hora, dia
e semana que passava eu só piorava. Minha dor de cabeça estava insuportável,
sentia como se meu crânio estivesse se rachando em vários pedaços. Meu cheiro
estava tão forte e fedido que às vezes dava náuseas ao homem que me alimentava,
de algum modo já havia me acostumado àquele cheiro. Uma vez tentei novamente
mover as fivelas que me seguravam, mas meu corpo alguns milímetros como antes
mais, ele agora era um pedaço de carne inútil. Mas isso não era o pior.
Meu físico estava em um estado pior que
lamentável, até então eu tinha meus pensamentos, mas quando eles também
começaram a ser afetados eu descobri o inferno. Tudo começou com uma risada
alta, foi quando aceitei a situação em que estava e concluí que o Ser Superior
havia me abandonado. Ou talvez nunca tivesse me amado. Afinal, ele me deu
coisas boas na vida, mas decidiu tirar tudo de mim e me jogar nesse lugar, que
comecei a acreditar que fosse o inferno. Não acreditava em nada pior que
aquilo. Mas se houvesse mesmo um inferno, como eu gostaria de visitá-lo, pois
nem ferrando que ele seria pior que essa sala.
A imagem da minha família morta, pensamento
que havia tentado enterrar com tanto ardor, agora me parecia confortante. Saber
que elas estavam em paz em algum lugar, ou simplesmente enterradas sobre
túmulos silenciosos e pacíficos. E sem nenhuma gota caindo sobre elas. Que
alivio seria ficar pelo menos um minuto sem ter que sentir aquela gota, eu poderia
enfim descansar. Para quem não dormia a dias, um minuto de paz soaria como uma
parcela do paraíso em meio à tormenta. Um minuto seria o suficiente para poder
chorar por minha família ou sorrir ao poder imaginá-las em um lugar melhor. Mas
sabia que nunca tirariam isso de mim.
Acho que já falei de uma forma figurativa
sobre meu crânio rachar. Mas agora eu realmente sentia como se isso estivesse
acontecendo ao que a gota caia com seu tambor torturante. Uma gota d’água é tão
leve, como pode pesar tanto? Como eu sinto meu crânio doer tanto? Nada mais
fazia sentido. Acho difícil contar quantas vezes já chorei, quantas vezes já ri
histericamente, quantas vezes falei mal de toda e qualquer divindade que possa
ter deixado que eu sofresse, aliás, já não conseguia contar mais nada, apenas
os 5 segundos. Aos poucos estava perdendo minha capacidade de raciocinar, eu
sabia disso, era um fim inevitável.
Se meu psicológico está deteriorando para
um buraco sem fim, sinto que meu físico já chegou ao seu limite, sinto que não
há como piorar, já que as dores são constantes e faz tempo que não pioram.
Estou há tempos sem mover os músculos, às vezes penso que se fosse solto, não
conseguiria me mover mais. Se pelo menos pudesse mover meus braços um pouco.
Faz tempo que meu corpo dói, tem vezes que ele formiga tanto que me dá agonia
em não poder fazer nada além de aguentar. Pelo menos agora posso dizer que
estou acostumado com essa dor, não sei o que não daria para poder apenas me
mover, um braço, uma perna, principalmente a cabeça.
Os lábios que movo para contar isso estão
destroçados. Se olho para baixo consigo vê-lo rasgado de tanto que o mordi.
Nota minha voz? Ela está pior do que nunca, afinal, minha língua não está muito
bem também. Às vezes o único de lidar com a dor do mundo ao nosso redor é a
autoflagelação. Esquecer uma dor ao que provoca outra. Agora nem isso funciona
mais, afinal, meu lábio e língua já sofreram o que puderam, agora posso
mordê-lo o quanto quiser que não aliviarão mais o que sinto.
Não sei onde estou, só sei que sinto muita
dor e que não movo nenhum músculo há tempos. E ainda tem essa maldita gota na
minha testa... Estou perdendo minha mente, vou enlouquecer. Por que não me
matam de uma vez? Agora a morte me é tão confortante, um lugar onde não sinto
mais dor, onde descanso para sempre. Nem que me joguem numa vala e me enterrem,
os vermes que me comerão serão mais piedosos do que os homens que me prenderam
aqui. Não creio mais em um Paraíso ou em um Inferno, não desejo nenhuma vida
pós-morte, já cansei de viver. Uma vez implorei para o homem que traz comida,
dizendo para ele me matar, mas foi falho. Tentar falar com ele sempre foi
inútil, por que ele me escutaria agora?
Em meio aos tambores e aos formigamentos
constantes, pensei no único modo que tinha para me matar. Se eu não comesse
morreria desidratado, funcionaria perfeitamente se o homem não forçasse aquela
sopa imunda pela minha boca. Já tentei cuspir a sopa, mas a única proeza que
consegui fazer foi sujar os lados da minha boca, como se já não estivesse suja o suficiente. Se eu pudesse pelo menos tentar me engasgar com a comida, seria
um modo prático de escapar desse lugar. Mas não há nenhum modo, estou fadado
para sempre.
***
Cento e doze riscos, há pequenos riscos
discretos que estão na base do balde que trazia a minha maior danação, e essa é
a quantidade que há. Eu poderia te dizer também quantas pequenas manchas há na
parede daquela sala, ou dizer quantas gotas caíam na minha testa por dia, esse
cálculo demorou muito mais para eu conseguir terminar. Eu tenho total convicção
dessas informações, pois já contei várias e várias vezes aquilo, com muito
esforço pelo constante tambor que ecoava nos meus ouvidos e feria minha testa.
Não
foi só isso que aprendi com o tempo naquela incrível sala. Aprendi que a água
pode ser prejudicial à saúde, afinal, olhe para mim! As marcas profundas na
minha testa provam isso. Quando conto que foi a água que fez aquilo eles não
acreditam, depois me chamam de louco quando insisto em não tomar água, ela me
dá enjoo e ânsia de vômito. Resultado das tonturas e enjoos que senti durante
mais de um mês inteiro. Devo ter me esquecido de mencioná-los, mas eles não são
importantes, era bom me concentrar em algo que não fosse aquele balde, aquela
sala, já que o som da gota e a dor no músculo estavam sempre comigo, e eram
muito piores que os problemas que mencionei agora.
Ah, você pode ver que não me movo muito.
Mover os músculos não é necessário para vivermos bem. Veja bem, não movo meu
braço faz meses e veja como estou feliz! A camiseta que uso me impede de
movê-los, mas gosto dela, ela é confortável. Muitos me chamam de louco por
isso, mas não acho que seja louco, conheci o inferno e agora estou no Paraíso.
Onde raramente ouço um tambor, consigo até sorrir ao pensar que aquela fase da
minha vida já passou.
Sabe, gosto do meu novo lar, aqui é
confortável, limpo, ao meu redor tem pessoas com o qual posso conversar. Não há
nenhum balde acima da minha cabeça, e olha, posso mover o meu pescoço. Tem dia
que fico horas só girando minha cabeça, é bom poder fazer isso novamente. Sinto
falta do gosto da sopa que me davam, era tão gostosa, acho que vou perguntar se
posso pegar a receita com eles. Desde o dia em que me tiraram daquela cadeira
que não a tomo, ainda me lembro de terem me jogado no meio da rua e irem
embora. Senti-me como uma criança que acaba de sair do aprisionamento de nove
meses dentro da barriga da mãe, estava aflito e perdido.
Agora estou feliz, tenho até um lugar para
dormir. Um canto confortável de um quarto acolchoado, o problema de dormir é
sonhar com a gota, o que me faz acordar gritando. Mas não há nada que umas
injeções não ajudem, elas me fazem dormir como um anjo. Eu sei que esse quarto
é pequeno e solitário, mas devo dormir agora. Amanhã virá uma mulher me
visitar, ela sempre diz que é a minha esposa, mas sei que é mentira, pois a
máfia matou minha família e mandou minha esposa e filha ao Paraíso, e eu sei
que estão felizes lá, assim como estou aqui. Neste solitário e aconchegante
quarto branco.