domingo, 30 de agosto de 2015


Num certo dia eu tive o lampejo de uma ideia, algo curioso e não comum nas histórias, eis um pedaço desta ideia que tive. Não um conto completo, com começo meio e fim, mas um mini-conto - se não fosse sobrenatural seria uma crônica, ou quase isso. Enfim, espero que gostem do mini-conto que virá a seguir.
Ah, e antes de terminar esta pequena introdução, peço um favor a vocês, caros leitores da Runic. Se possível, deem um feedback nos comentários, afinal, é assim que se cresce. ^^
E por fim, boa leitura! 

A Garota do Balão

             A lua paira para as ruas silenciosas da Cidade Sem Estrelas, sorridente e silenciosa, ela observa aqueles sob sua vigia: Trabalhadores noturnos, mendigos, prostitutas, ladrões, ratos... e um homem que corre desesperado. A lua fica intrigada com aquilo, então o acompanha em sua jornada sem fim pelas ruas da cidade. Ele não para uma vez sequer, às vezes olha para trás e vendo que não há nada volta a olhar para frente, mas não para de correr. Os trabalhadores o olham com estranheza, os mendigos gritam com ele, as prostitutas veem dinheiro ir embora, os ladrões nem pensam em abordá-lo, os ratos o ignoram, todos se perguntam por que diabos ele está correndo do nada, nem mesmo a lua descobre, o que a deixa ainda mais intrigada.
O nome deste homem é Jonathan, um homem comum com um emprego comum e uma rotina comum, mas nem sempre ele foi assim. No passado, em sua juventude, ele cometeu alguns erros, mas ele se arrepende de apenas um deles, um erro mortal que agora o persegue. Ele não sabe de onde ele virá, nem quando virá, mas sabe que correr é a única coisa que ele pode fazer. A lua se pergunta quando os pés dele ficarão cansados o suficiente para ele enfim parar um pouco, e logo a resposta de sua questão é respondida, pois minutos após a contemplação da lua, ele para e senta no chão, próximo a um Buffet infantil.
O Buffet é uma lanterna naquela rua, pois todo o resto é cinza e amarelo – das luzes dos postes. Jonathan sabe que não pode parar, mas ele não aguenta mais, então apenas descansa e torce para que a morte não o alcance. Ele ofega naquele chão, notando o local onde está, e ao notar que há uma festa acontecendo ele se lembra de que tem fome. Mas sabendo que não o deixariam entrar, ele fecha os olhos e deixa uma lágrima escorrer em seu rosto.
– Merda, merda, merda! Maldito trato! – diz ele para si mesmo.
No momento seguinte percebe que está sendo observado. Uma garotinha de vestido rosa com um balão vermelho em mãos o espia da entrada do Buffet, com o corpo dentro da festa e um dos olhos observando-no. Ele se cala e finge que não disse nada, a fim de não assustar a menina. Mas para sua surpresa ela vai para a direção de Jonathan e o encara com curiosidade enquanto segura seu ursinho contra o peito.
– Você está triste, moço? – pergunta ela, denotando a personificação da inocência em sua voz.
Ela deve ter uns seis anos de idade, pensa ele antes de se recuperar da lágrima solitária e fingir um sorriso para a menina.
– Eu estou bem, só tive um dia ruim – diz ele fingindo não se preocupar, mas ele não consegue evitar os olhares preocupados ao ambiente ao seu redor.
Ao mesmo tempo em que a menina vira a sua cabeça ao pensar em sua resposta, a lua fica ainda mais curiosa com aquilo. Não é todo dia que isso acontece aqui, pensa ela. Repentinamente a menina corre para o local da festa e deixa o Jonathan pensando no que fizera de errado para assustá-la, mas logo ela reaparece, segurando um pratinho com brigadeiros.
– Come isso. Você vai ficar feliz – diz ela sorrindo. Jonathan finge um riso em meio ao medo da morte e pega um dos brigadeiros, apreciando-o como nunca. O doce está muito mais doce para ele, que sabe que está com o tempo contado. – Está melhor?
– Estou sim. Qual é o seu nome, garotinha?
– Emília.
– E onde estão seus pais, Emilia? Eles ficarão preocupados se a verem aqui fora.
– O papai está trabalhando. Você viu ele, moço? – Jonathan nega com a cabeça. – Tudo bem. Já que ele aparece – diz ela olhando para o chão.
Não posso ficar aqui por muito tempo, pensa Jonathan enquanto mastiga outro brigadeiro. Após olhar para o ambiente mais uma vez, sem nenhum sinal de seu perseguidor, ele se prepara para levantar enquanto diz para a Emília:
– Aqui fora está frio, Emília. Você pode pegar um resfriado. Por que você não volta lá para dentro e brinca com as outras crianças? Tenho certeza de que o seu pai irá preferir isso.
Emília olha para o chão com uma expressão melancólica.
– Elas não querem brincar comigo. Acho que é por causa do papai. Ninguém gosta do meu pai, só eu e o Senhor Fofo – diz ela olhando para o ursinho preso em seu abraço. – Então estou comendo brigadeiro sozinha a noite inteira. Brigadeiro me deixa feliz, por isso papai me trouxe para a festa. O brigadeiro não me deixa sozinha.
Por um momento Jonathan se esquece do medo e sente pena da menina, mas percebendo que está parado a muito tempo ele se levanta de vez e voltando a encarar todo o ambiente com preocupação, se prepara para voltar à fuga, mas Emília o interrompe.
– Você já está indo, moço?
– Eu tenho que ir, Emília. Já já seu pai vem e você não fica mais sozinha.
Jonathan espera alguns segundos para a resposta da menina, que inesperadamente, olha para trás e depois se volta para o homem em fuga.
– Yey! Meu papai chegou, obrigado por esperar, moço! – diz ela, mas Jonathan se fica confuso, pois naquela rua não há ninguém além dele e da Emília. Mas neste momento a lua, que contemplara toda a situação com curiosidade, percebe o que está acontecendo e dá uma risada satisfatória. Realmente hoje é uma noite diferente, pensa ela.
– Seu pai? Mas estamos só nós aqui.
– Ele está aqui sim, moço, olhe lá – diz ela apontando para um poste a uns metros de deles. – Meu pai é aquele homem de preto.
O sangue de Jonathan congela ao que ela diz isso. Merda! Pensa ele, prestes a correr, mas quando ele tenta mover as pernas para correr o mais longe o possível novamente, ele não consegue, como se elas estivessem paralisadas. Ele tenta, tenta, mas não consegue fazer nenhum movimento sequer. Merda, merda!
– Papai! Senti sua falta! – diz ela para um nada atrás de seu ombro. – Você conhece esse moço? Eu conversei com ele, papai. O seu trabalho hoje é ele? Que pena, eu gostei dele. Porque ele foi legal comigo, papai. Você jura? Yey! Você é o melhor, papai! – Então ela se volta para o Jonathan, que está suando frio diante de tal cena. – Meu pai disse que terá que te levar hoje. Mas ele prometeu que você não sentirá dor. Vou pegar mais brigadeiro. – Ela se aproxima do Jonathan, fica na ponta dos pés e flutua por alguns segundos, dando um beijo no rosto de Jonathan. – Tchau, moço!
Emília volta a pisar no chão e sai correndo em direção à festa, para o desespero do Jonathan, que não esperava por aquilo. Sua respiração está pesada, seu suor está mais frio do que nunca, seu coração está batendo como um tambor, e tudo isto se intensifica quando ele enxerga a criatura que o perseguira durante horas na Cidade Sem Estrelas, a Morte. Um ser alto com um manto negro cobrindo todo o seu corpo, com exceção de sua face, que é pálida com olhos vazios e inexpressivos. Tal ser está de pé à sua frente, segurando uma foice e encarando-o.
– Por favor, não faça isso. Por favor! – As lágrimas saem dos olhos do Jonathan enquanto ele balbucia, mas nunca chegam à sua bochecha, pois antes disso a foice da Morte atravessa o espírito do Jonathan e seu corpo cai duro sobre o chão. Uma noite incomum na Cidade Sem Estrelas.

Lá no céu, envolta das estrelas, a lua contempla isto tudo com satisfação. Ignorando o restante da cidade, ela observa com olhos admirados quando a alma do Jonathan é ceifada e cai em um buraco vermelho que surgira repentinamente, restando apenas seu corpo e a Morte, que observa aquilo à espera de Emília. Quando a garota aparece, segurando seu balão alegremente e lambendo os dedos lambuzados com chocolate e chantilly, a Morte segura a mão cheia de doce e juntos caminham em direção à rua escura. O ser encapuzado com uma face inexpressiva, mas falando com ela num tom carinhoso, e a menina do vestido rosa, contando com alegria como fora a festa.

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